ARTIGO DE DOMINGO

Governança, em linguagem simples.

01 de outubro de 2023 - 06:00

Muito se tem dito que a máquina administrativa no Brasil é inchada, custosa e ineficiente. Todavia o que pouco se debate é sobre as verdadeiras causas dessa ineficiência. E isto tem tudo a ver com a ausência de boas práticas de governança pública, em sua gestão.

No setor privado o debate se encontra um pouco mais avançado, seus sistemas de controle interno tendem a ser mais rígidos, e a essas boas práticas de governança vêm sendo incorporados conceitos relacionados à sigla ESG – que traduzida do inglês significa “ambiental, social e governança” – como maneira de definir e estabelecer se tais práticas podem ser consideradas, ou não, socialmente responsáveis e sustentáveis.

Mas, ainda que de forma embrionária, o tema começa a ser trazido para o setor público, com as características que lhe são próprias. E, em paralelo às dificuldades que enfrentam, gestores – sejam públicos ou privados -, se veem acachapados com uma rotina pesada, complexa e em, muitas situações, com necessidade premente de tomada de decisões céleres enquanto envolvem riscos à sua performance moral, para descrever de forma sutil.

Mas, afinal, o que tudo isso significa? São, apenas, mais aspectos complexos com que o gestor deve lidar, acrescendo à sua pauta de angústias? Quem não conhece, por exemplo, os comentários de que a legislação sobre licitações e contratos, que obriga os gestores públicos, não é factível de ser cumprida em sua integralidade e complexidade, sob pena de engessar a administração? De onde vem este mantra? E mais: aonde ele pode levar? São indagações tormentosas, que preocupam a todos os envolvidos, inclusive os gestores de empresas participantes do certame.

Fato é que, a cada dia mais, a legislação vai sendo aprimorada e a ela vão sendo acrescentados novos conceitos, novos deveres aos seus destinatários, sanções ao descumprimento de seus preceitos, etc. Necessário se faz, então, que os gestores cuidem para que a máquina administrativa esteja preparada para agir de conformidade com as regras vigentes. E é a eles que, mais precisamente, estas reflexões são dirigidas.

Governança é a capacidade de organizar a gestão de forma que todas as decisões, iniciativas, ações, avaliações e resultados estejam integrados, apreciados conjuntamente, de forma que os esforços estejam empregados em um só sentido, gerando consequências planejadas e rendendo o máximo de proveito. Não se considera com isto que não haja possibilidade de erro ou insucesso, produtos típicos da atuação humana, empreendida por seres imperfeitos, mas que os equívocos também possam ser devidamente aproveitados, gerando o conhecimento sobre melhorias possíveis, ainda que em grau ascendente, quando não é factível a transformação completa de imediato.

Com este cenário, muda a maneira como se pode contemplar, por exemplo, a discricionariedade da administração pública, porque também esta se encontra vinculada a este perfil que se traça, preferencialmente adotando um modelo de planejamento integrado da gestão, em que as ações sejam decorrência de uma diretriz central.

O desafio é grande, mas não impossível. O primeiro passo se encontra na disposição para converter o complexo em simples e concreto, moldando, dentro dos parâmetros expostos pelas normas, os limites de concretude, viabilizando que se possa caminhar do pequeno ao grande com passos seguros e compatíveis com a capacidade progressiva de atuação. A segurança do caminhar virá como consequência. Afastar a impossibilidade talvez seja o primeiro passo eficaz.

Em doses progressivas, os avanços lograrão trazer mais benéficos que a paralisação frente à encruzilhada, porque mesmo a inércia gera efeitos e compromete os compromissos assumidos. Fica o convite!

*Texto produzido pela Dra. Sávia Maria Leite Rodrigues, Advogada da União (AGU), que será palestrante na II Semana da Transparência de Marília, realizada pela Matra. O evento de cidadania é gratuito e aberto para toda a população. Participe!